Tuesday, October 25, 2005

A caminho do Tibete



Wade e Peter juntam-se no pequeno palco que se ergue ligeiramente em relação ao piso em pedra da cabana enorme que serve de jantar e começam a ensaiar os primeiros acordes de viola... «something is happening here, what it is ain't exactly clear».

Acho que nunca chegarei a ter a certeza se as músicas tocadas por eles são realmente boas ou se soam bem por causa do cenário que me envolve. O que interessa realmente é que o resultado é perfeito, e deixo-me embalar por um torpor a que a agitação do dia em muito contribui com certeza.

Estamos num pequeno desvio ao Km 95 da «Arniko highway», a estrada que une o Nepal ao Tibete (ou à China, se preferirem), apenas 16 km a sul da fronteira. Três horas e meia de autocarro separam-nos de Kathmandu, pela estrada que serpenteia entre campos cultivados, pequenas aldeias, vales de rios e encostas de montanhas debruçadas sobre profundos precipícios.



O sitio é paradisíaco, estamos rodeados de bananeiras, flores, encostas de onde se despenham cascatas e embalados pelo sussurro de um rio que corre à nossa frente. Selvagem, branco e verde esmeralda. Os terraços, construídos para enganar a inclinação do terreno, estão cobertos de relva macia e fresca. Distribuídas pelos terraços há diversas tendas coloniais protegidas por telhados de palha, miniaturas da cabana mãe, que serve ao mesmo tempo de sala de convívio, restaurante, bar e de palco. Estamos em «Borderlands», uma estância que parece uma ilha no meio da típica confusão do Nepal, ou não fosse gerida por um «western».

Wade é um jovem empresário Canadiano que escolheu o Nepal para investir e viver. Tendo como base o vale do Bhote Kosi - o rio do Tibete - podemos escolher entre diversas maneiras de entrar em contacto mais directo com esta natureza deslumbrante: percorrer a pé trilhos que se estendem ao interior do Parque Nacional de Langtang e que se afastam dos roteiros habituais, descer em canyoning uma das cascatas que se desenham nas montanhas que nos rodeiam, fazer Bungee Jump de uma ponte suspensa a 160 m de altura sobre o rio ou alugar uma BTT e seguir a estrada de terra até à fronteira com o Tibete, para vislumbrar Khasa do outro lado e ficarmos curiosos perante a radical diferença entre os dois países vizinhos.

Mas a razão principal que nos trouxe de visita a este vale foi uma aventura diferente: o Bhote Kosi, uma das descidas em kayak mais alucinantes e divertidas que se podem fazer em todo o Nepal.

Tínhamo-nos encontrado com o resto do grupo cerca das 6 da manhã, hora a que Kathmandu começa a acordar. Depois de um chá matinal, entramos num dos inconfundíveis «Tata» - autocarros nada confortáveis «made in India» - e deixamos para trás a poluição e a permanente agitação de Kathmandu. Percorremos durante alguns quilómetros uma parte do vale para entrar pelas montanhas dentro, deixando-nos apreciar magníficas paisagens de um verde intenso, terrenos cultivados à custa de muitos anos de trabalho - mesmo de muitas gerações - dispostos em terraços com um sistema de irrigação impressionante nestas encostas tão verticais. Um pouco mais à frente, teremos uma vista geral sobre os Himalaias,

Depois de atravessar uma ponte sobre o majestoso Sun Koshi vemos o rio que é a razão desta viagem. Apesar de parecer pequeno e levar pouca água, o Bhote Kosi é na verdade uma torrente furiosa que drena o início do planalto Tibetano e que entrega depois as suas águas ao gigante Sun Koshi.

A experiência diz-me que isso não passa de uma aparência, pois no Nepal, os rios (e quase tudo) são sempre maiores e mais potentes do que parecem à primeira vista...