Bus to Barabise
Depois de mais de uma hora em acesa discussão da qual,
confesso, não percebi praticamente nada, o revisor e o passageiro resolvem decidir as coisas de forma mais violenta. Nesta altura já metade do autocarro tinha tomado uma ou outra facção e davam a sua opinião alto e bom som.
Era altura do teatro. Daquele ritual em que ambos se olham e medem, agora em pé e próximos um do outro, mas em que nenhum decide começar mesmo a lutar. Vêem-me à memória imagens de documentários na televisão sobre a vida animal... A velhota ao meu lado olha para mim e o seu rosto deixa passar uma expressão que parece querer dizer Kegarné... «What to do?».
Alguém berra ao motorista e o autocarro pára. Os dois adversários requerem espaço. Mais espaço do que o estreito corredor do autocarro pode oferecer. Mas enquanto o som alto da discussão continua, vários passageiros levantam-se para tentar agarrar um dos inimigos. Mais berros, mais gritos, mais confusão.
Entretanto eu, pela parte que me toca, não estou muito interessado na disputa e abro a janela minúscula para fumar um cigarro. Entre passas, olho de vez em quando para dentro do recinto e actualizo-me em relação aos resultados. Empatados até agora. Ambos rosnam entre si por momentos e depois falam para os seus partidários para conseguir algum apoio.
Mais umas passas. Com a cabeça totalmente fora do autocarro, oiço o motor do Tata a arrancar. É estranho ouvir este som como se estivesse fora do autocarro e não como o costumo ouvir quando sou passageiro. Um som mais abafado, menos metálico.
Olhando novamente para dentro, parece-me que as coisas afinal não vão chegar ao contacto físico. O passageiro já está quase sentado e o revisor recuou um ou dois passos para uma distância menos agressiva. Mas a troca de palavras, essa, ainda não arrefeceu nem um grau. Embora agora me pareça cada vez mais suave como se fosse dissolvida lentamente na paisagem que muda e no som forte do motor.
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